sábado, 19 de julho de 2008

Estrutura, conjuntura e FMI

O debate sobre de "quem é a culpa da crise", do exterior ou do 'interior', leia-se Governo, assumiu nova energia com a análise do FMI e do Banco de Portugal.

Miguel Carvalho no A Pente Fino critica o texto de Sérgio Aníbal no Público por afirmar que "O FMI afasta, deste modo, a tese que tem vindo a ser defendida, nomeadamente pelo Governo, de que o abrandamento económico apenas é provocado pela conjuntura internacional".

Em contrapartida, Pedro Braz Teixeira no Abelhudo defende exactamente o contrário, afirmando que o FMI considera que a crise é interna, ou seja, a culpa é do Governo e não dos factores externos.

Comecemos pelo que diz o FMI logo no ponto 1 da sua análise:

Weaker global economic conditions underscore the importance of addressing
Portugal's long-standing challenges, building on recent achievements. The
deteriorating global economic environment is hampering Portugal's recovery, but
the fundamental problems restraining Portugal's economy are home-grown: wide
current account and fiscal deficits; high household, corporate and government
debt; and, a substantial competitiveness gap. Portugal has been living beyond
its means for many years, borrowing via the banking system from the rest of the
world, raising external indebtedness.

Mais adiante afirma
Growth will likely slow in 2008 to about 1¼ percent, and to about 1
percent in 2009, driven by weaker partner country growth, the international
financial turbulence, and higher commodity prices.
Concluindo:
1. A prevista retoma não se confirma devido às condições externas
2. O que condiciona um crescimento mais significativo em Portugal tem origem em problemas internos: mesmo sem crise Portugal tem um problema de excesso de endividamento e falta de competitividade que o impede de convergir.

Temos problemas conjunturais de origem externa e estruturais obviamente de origem interna.
O Governo doura a situação dizendo que tudo é externo.
A oposição enegrece a situação dizendo que tudo é interno.

4 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado pela referência.

Para que fique claro (para quem nos lê, eu sei que a Helena percebeu bem o meu ponto), eu julgo que há enormes problemas estruturais internos: défice externo, falta de dinamismo, continuamos com medo das falências, fraquíssimo crescimento da produtividade, elevado custo do trabalho, baixíssimo nível de capital humano, etc... Todos eles parecem-me bem graves e que na melhor das hipóteses demorarão vários anos a ser corrigidos. Quanto a isto sou muito pessimista, e acho que nem o governo nem a oposição têm tido coragem de admitir que a convergência sustentável é algo que não está ao virar da esquina.. seja qual for o governo.

A minha crítica passa apenas pela "confusão" entre problemas estruturais e conjunturais. O abrandamento económico pelo qual estamos a passar este ano é quase por definição causado por factores conjunturais. E é isto que o governo e o FMI dizem. Eu não ouvi o governo dizer que estaríamos a crescer 6% (de um modo sustentado, ou crescimento do produto potencial se se quiser) se não fosse o petróleo e o subprime. Ouvi sim o governo a dizer que crescemos 1,5% em vez de 2.5% em 2008 devido as estes factores. E não há nada no relatório do FMI a contradizer isto.

Cumprimentos

Helena Garrido disse...

Caro Miguel,
Concordo inteiramente. E é esse o meu ponto: há problemas estruturais e conjunturais. Referiu aliás isso no seu post. Tudo indica, aliá, que a a retoma se manteria se não existisse a crise internacional. Mas também tudo indica que não se iria crescer muito acima da média europeia por causa dos problemas estrutuais.
Obrigada pela sua visita.
bons posts

Pedro Braz Teixeira disse...

Obrigado pela referência, ainda por cima a um dos posts mais magros de conteúdo.

Esclarecidíssimos sobre as diferenças entre conjuntura e estrutura.

Quanto a mim, o erro mais grave do governo foi nunca sequer ter assumido o problema da divergência estrutural. Dá ideia de que, se não tivesse havido crise internacional, o governo se contentaria com a retoma portuguesa e lá íamos nós pelo buraco enquanto o governo assobiava para o lado.
Acuso o governo não assumir o problema estrutural. O problema não é tanto não o resolver, mas sobretudo não o assumir. Tal como o Miguel Carvalho muito bem salienta, o problema é de uma gravidade e extensão que a solução não vai surgir de um momento para o outro.
Mas se o governo nem o diagnóstico faz, como é pode usar uma boa terapia?

Anónimo disse...

Entetanto, tanto o governo como a oposição esquecem-se de dizer que os problemas estruturais de Portugal dificilmente são da culpa do governo ou poderão ser por ele corrigidos.

Por exemplo, se os portugueses estão endividados até aos cabelos, isso não é culpa do governo. Se os gestores portugueses são uns cagões merdosos, isso não é culpa do governo.

Luís Lavoura