segunda-feira, 14 de abril de 2008

Uma semana de ansiedade na banca

Esta promete ser uma semana difícil para os mercados e para a banca.
Apesar dos esforços que analistas e economistas têm feito afirmando à exaustão que o pior da crise financeira já passou.
Os grandes bancos vão revelar os resultados do primeiro trimestre.
O primeiro já chegou:O Wachovia, quarto maior banco norte-americano, registou perdas no valor de 393 milhões de dólares nos primeiros três meses do ano e já anunciou a redução do valor do dividendo. O mercado esperava lucros de 715 milhões de dólares. Por causa da crise sub-prime.

Se seguirem as recomendações e decisões do Grupo dos Sete, este fim-de-semana, de revelarem a totalidade das perdas com esta crise até Julho, o pior está a aparecer. O FMI estima perdas de um bilião de dólares, sim o nosso bilião, o trilião anglo-saxónico.

Quando a gestão privada significa mais gastos

"A experiência internacional leva a que o Estado deva assumir a gestão clínica, porque os custos para a concessão [aos privados] são tão grandes para o Estado que põem em causa os ganhos de eficiência com a gestão clínica privada".
José Sócrates no lançamento do concurso para construção do hospital de Todos-os-Santos

Há uns anos, no auge de uma das muitas controvérsias que envolveu o hospital Amadora-Sintra, escrevi um texto sobre as dificuldades e riscos de regulação deste sector - como de outros - quando o Estado é fraco.

Tenho de dar razão a José Sócrates lamentando apenas que tal só tenha sido descoberto agora e apenas para os hospitais. Os argumentos que podem levar a que as perdas mais do que anulem os ganhos obtidos pela gestão privada podem resumir-se em:
  1. A dificuldade em operacionalizar cálculos que estimem com rigor o montante que o gestor privado deve entregar ao Estado - problema especialmente levantado no caso da gestão clínica dos hospitais devido à complexidade e variabilidade da assistência médica e à sucessiva inovação tecnológica.
  2. Os custos de fiscalização incorridos pelo Estado na avaliação do cumprimento dos contratos estabelecidos com as entidades privadas - questão válida para todas as parcerias com privados e que foram recentemente avaliados pelo Tribunal de Contas para o sector das estradas.
  3. Regulação forte e objectiva - também generalizado a todos os sectores e fragilizada quer pela falta de experiência como pela fragilidade de que padece o Estado português, em regra muito tomado pelos interesses privados.

Conclusão: Vale a pena fazer parcerias com os privados em domínios em que se pode fazer alguma aprendizagem sem custos excessivos para o Estado e para os cidadãos, estes últimos muito mais difíceis de medir, como a assistência médica. A prazo, quem sabe, com mais experiência e maior conhecimento sobre a forma de controlar a gestão privada de serviços públicos até se pode ir muito mais longe.

Para já é melhor fazer bem o que já existe. O que está longe de acontecer. Desde a simples regulação de quase monopólios como as telecomunicações e energia às parcerias nas estradas.

domingo, 13 de abril de 2008

O PSD, a democracia e a ética

Li e não quis acreditar.
O PSD convocou uma conferência de imprensa para as 19 horas de sábado passado:
- Para criticar o acentuado agravamento na desigualdade em Portugal durante a última década, recentemente divulgada pelo INE? E propor medidas? Não.
- Para manifestar preocupação com a subida dos preços dos serviços de saúde devido às taxas moderadoras, propondo medidas para aliviar o orçamento dos mais pobres e idosos? Não.
- Para alertar para os graves desperdícios de dinheiro dos contribuintes nas parcerias com privados no domínio das estradas, revelado pelo Tribunal de Contas? E propor que se reforcem os recursos da Estradas de Portugal para fiscalizar o cumprimento dos contratos entre o Estado e privados onde se poderia poupar milhões? E poupar ainda mais nas obras que se avizinham. Não, nem pensar.
- Para apresentar um conjunto de medidas que previnam o eventual efeito da subida das taxas de juro no orçamento das famílias de classe média endividadas? Tal como recomendou o FMI? Não, claro que não.
- Para desafiar o Governo a apresentar o ponto de situação da banca portuguesa de forma a garantir que não seremos apanhados pela crise financeira? Não.
- Para propor medidas preventivas para o aumento dos produtos alimentares? Claro que não...

A lista poderia continuar.

Mas o vice-presidente do PSD, maior partido da oposição em Portugal, país da União Europeia e da Zona Euro, convocou a conferência de imprensa para criticar a RTP por ter contratado uma produtora externa que por sua vez tinha uma programa sobre bairros sociais a realizar por uma jornalista com carreira afirmada e respeitada na televisão e na imprensa, Fernanda Câncio. E porquê? Porque, diz o vice-presidente do maior partido de oposição em Portugal, a jornalista com carreira afirmada e respeitada tem "um relacionamento pessoal com o primeiro-ministro".

Pior que isto parece impossível.
Ou talvez sim, quando na campanha eleitoral anterior José Sócrates enfrentou uma boataria com a mesma origem.
Será este o país em que vivemos?
Nem nas histórias de caciques mais assustadoras ouvimos disto. Até incomoda pensar que há pessoas assim, quanto mais falar nisto.

O trabalho flexível?

O ministro do Trabalho Vieira da Silva afirmou este sábado que Portugal tem "a legislação laboral mais rígida dos estados membros da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico], de acordo com esta organização".

João Rodrigues no Ladrões de Bicicletas critica com referências a flexibilização da lei laboral afirmando não compreender a posição da OCDE.

Surpreende-me ainda mais a posição do ministro. Ouvi-o assim como ao governador do Banco de Portugal contestar várias vezes a avaliação da OCDE. O próprio Governo tomou iniciativas de explicar à OCDE os problemas da sua avaliação. Um dos aspectos focados é o facto de a Organização não levar em conta a facilidade com que em Portugal se faz um despedimento colectivo.

Argumentos que ouvi em várias ocasiões em que essa questão foi colocada:
- As empresas estrangeiras não se queixam dessa dificuldade, sempre que precisam de despedir fazem-no usando o mecanismo do despedimento colectivo.
- Uma empresa em dificuldades - o argumento forte para proceder ao despedimento, ajustar a produção à queda do mercado salvando a empresa e logo alguns postos de trabalho - é facilitado.

Há obviamente um contra-argumento: como actuar com empregados que não produzem? O problema não é a crise mas sim uma ou duas pessoas que se deixam levar pelo incentivo perverso de não correrem nenhum risco por não trabalharem, reduzindo a produtividade global da empresa. Pois, nesses casos, seria sempre possível adoptar medidas... Mas aqui se coloca a questão da desorganização das empresas.

Confesso que já fui mais favorável à flexibilização da legislação laboral do que sou hoje. Até porque não acredito minimamente na elegante teoria da 'flexisegurança'. Portugal não é a Dinamarca.

As afirmações do ministro podem querer dizer que vêm aí mudanças sérias no Código do Trabalho. Vamos ver.

Comer ... biocombustíveis?

A proposta de suspender a meta de 10% de biocombustíveis nos transportes até 2020 proposta pela Agência Europeia para o Ambiente que li via Zero de Conduta é de uma enorme sensatez.

Não apenas pelos argumentos apresentados por Pedro Sales. Há outros "custos escondidos", o significativo aumento dos preços dos cereais e produtos agrícolas. Uma das razões para esta subida - entre outras como a alteração das dietas até as aplicações financeiras - está nos biocombustíveis. Há instabilidade social em várias partes do mundo por causa disto.
Ler aqui por exemplo.

A promessa dos banqueiros e o G7

Os banqueiros reconhecem os seus erros mas não querem mais regulação. Prometem auto-regulação oferecendo mais transparência, ajustamentos no modelo de remuneração que leve em consideração a adopção excessiva de riscos, melhorias na gestão do risco...

Aqui estão no Institute of International Finance que integra mais de 370 instituições financeiras o reconhecimento dos erros e as promessas de recuperar a confiança.

Na sexta-feira o Grupo dos Sete transmitiu o desejo e a intenção de forçar os bancos a reforçar os capitais em vésperas de uma semana que se esperam más notícias sobre os resultados do primeiro trimestre.

O tal um bilião - sim, um bilião em português, quase quatro vezes o PIB que Portugal produziu em 2007 - de perdas estimadas pelo FMI com esta crise financeira ainda está em 270 mil milhões. Esta semana que vai entrar pode somar mais uns mil milhões, esperemos que sem grandes sustos.

"Salvando os bancos dos banqueiros"

Título do editorial do FT. Não posso concordar mais.

Pequenas tristes histórias que acrescento:
- Há uns anos recebia invariavelmente um cheque com o satisfeito aviso que me tinha sido oferecido pelo banco de que era cliente.
- Há dias uma pessoa com um crédito ao consumo que está a pagar recebeu directamente creditado na sua conta - que nem é do banco que concedeu o crédito pois aí não tem conta - uma soma de dinheiro porque... estava a pagar o que devia.
- Há pelo menos dez anos que não sou cliente de um determinado banco que de vez em quando me envia um cartão... de crédito. Só gostava de saber onde iriam eles debitar as contas do cartão se por acaso eu o utilizasse.

sábado, 12 de abril de 2008

Classe média dos EUA sob pressão






Elizabeth Warren sobre o colapso da classe média
Com o agradecimento a CCz por me apontar para lá.

Vale a pena ver. Quem não tiver paciência, aqui está uma síntese sobre o que aconteceu à classe média norte-americana numa geração (cerca de 25 anos):

1. Entre 1970 e 2005 o rendimento médio de uma família com dois filhos aumentou porque as mulheres entraram no mercado de trabalho. O rendimento auferido pelos homens estabilizou. Hoje é preciso que os dois trabalhem.

2. As famílias não poupam, gastaram as poupanças passadas e ainda assim endividaram-se
Os gastos: mais, muito mais a pagar a casa, apoio às crianças, seguros de saúde e carros e menos que a geração anterior nas outras despesas, entre as quais alimentação.

3. Metade das despesas de uma família eram fixas nos anos 70; hoje são dois terços fixos

4. No início dos anos 70 uma mulher que tivesse um filho ficava 5 dias no hospital. Hoje fica 24 horas e terá de ser assistida em casa. Por quem? Ninguém... o marido terá de ir trabalhar se não não haverá dinheiro para suportar a... casa. O mesmo acontece se o filho ou a mãe de um deles estiver doente.

A classe média norte-americana está sob forte pressão e ameaça. A classe média que tem sido o suporte da sociedade, economia e política dos EUA.

Vale a pena ver e comparar com o que se vai passando também numa Europa sedenta de imitar a América.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O mundo endividado... e o custo de se 'desendividar'?

A imagem é do NYT. Sobre o elevado grau de endividamento do mundo, que financiou a compra de activos com dívida...E que agora precisa de se 'desendividar'. Um processo que pode não ser fácil como alertava esta semana Vítor Constâncio.

Algumas questões sobre este 'endividamento':

  1. Será rigoroso dizer que esse 'endividamento' para comprar activos que agora não valem o suficiente para pagar as dívidas é... do MUNDO? Ou será dos Estados Unidos como todos já há muito sabíamos quando olhávamos para o preocupante défice externo e a respectiva acumulação da dívida?
  2. O inusitado dramatismo do FMI quer no seu relatório de estabilidade financeira como nas perspectivas económicas da Primavera agora divulgadas não terá como principal razão a situação norte-americana? A crise chegou à rua de Washington... aos banqueiros e 'hedge fund' da capital política da América.
  3. Sobre Portugal esta crise norte-americana não desarma o famoso argumento de desdramatização das dívidas dos portugueses: não é grave porque o crédito serviu para comprar activos? Não foi isso também que os americanos fizeram, compraram activos com dívida e estão como estão?

Quanto ganham os executivos... nos EUA

Os salários dos 200 presidentes das maiores empresas norte-americanas cotadas em bolsa. Vistos à lupa e comparados com o comportamento das acções.
Em Portugal ainda vai havendo quem considere que é curiosidade próxima da fofoquice.

Para que serve investir em energia?

O primeiro-ministro está a debater o sector da energia no Parlamento, no habitual encontro quinzenal.
Traçou uma fotografia de um país a funcionar muito bem na energia e anunciou mais investimentos no sector.
Os investimentos serão um objectivo em si?
Porque continuamos a pagar a energia tão cara?
Porque continua a não existir concorrência nem na electricidade nem no gás? E muito pouca nos combustíveis?
Que estamos a ganhar nós simples consumidores com o investimento 'fashion' nas renováveis? Energia mais cara. Ah, sim, é verdade que há o ambiente. Mas não haverá formas de proteger o ambiente mais baratas?
Enfim... quando se perde a noção dos objectivos dos investimentos temos discursos assim. Assim como quando se quer dar uma imagem do país no sector da energia que pouco corresponde a uma vantajosa realidade quando cada um de nós olha para a conta da luz, do gás e dos combustíveis.
E quando se fala sobre estas questões mais terrenas somos invariavelmente acusados de demagogia...

quinta-feira, 3 de abril de 2008

"Todos os homens são carecas" e o IVA

Vital Moreira critica os que criticam a descida do IVA construindo um sofisma que padece do erro do famoso raciocínio que leva a concluir que "todos os homens são carecas":
Se um homem com um cabelo é careca, com dois também é, com 3 igualmente... com n cabelos também continua a ser careca. Logo todos os homens são carecas".

terça-feira, 1 de abril de 2008

Uma desigualdade chocante

O Inquérito aos Orçamentos Familiares expõe um agravamento da desigualdade que é chocante. Quando se comparam os dados recolhidos entre 2005 e 2006 com os de 1990 verifica-se que a diferença entre os rendimentos obtidos pelos 10% mais ricos corresponde a quase nove vezes a dos mais pobres, quando em 1990 essa relação era de 4,6. Seremos o país da UE com a maior diferença entre ricos e pobres.

Os números agora divulgados pelo INE permitem os mais variados estudos. O alerta mais grave é sem dúvida este chocante agravamento das desigualdades.

Quando olhamos para o fosso entre ricos e pobres apenas nos rendimentos obtidos como trabalhadores por conta de outrem a relação é ainda superior, da ordem das 9,4 vezes.

O mais grave desta situação é não ver uma tendência de correcção. Parece que todo o país foi contagiado pelo novo-riquismo que conhecíamos na década de 80 apenas na zona Norte da produção de têxteis.