sábado, 27 de julho de 2013

A reforma IRC ou o poder sobre o poder?

O tempo é de férias. Mas é impossível não pensar. Especialmente quando nos confrontamos com iniciativas importantes para todos nós, portugueses, em tempo de pré-férias. Falo da proposta de reforma de IRC que aponta para uma redução do imposto sobre os lucros das empresas de 31,5% para 29,5% (incluindo a derrama estadual e municipal).

Teoricamente, menos tributação dos lucros (e dos rendimentos de capital em geral) significa mais investimento, quer em empresas já existentes como em novos projectos. São, teoricamente, ambientes mais amigos do investimento que cria emprego. Teoricamente, sim. Porque na prática pode não ser assim:

« A realidade tem demonstrado que só há um efeito significativo no investimento e sobretudo na atracção do investimento estrangeiro quando a descida das taxas é significativa. Descer a taxa marginalmente serve para muito pouco ou nada;
« A situação financeira do Estado não permite uma redução significativa imediata das taxas de IRC. Para que serve então essa descida mínima - pressuponho que as reduções de impostos têm como objectivo aumentar o bem estar global da sociedade e não melhorar a situação apenas de um grupo limitado enquanto os outros ficam na mesma ou pioram;
« Uma descida marginal da taxa de IRC que não não tem um efeito de aumento global do bem estar da sociedade, quando se estão a cortar pensões de reforma e salários, se está a reduzir o Estado social na saúde e na previdência e a aumentar impostos sobre os rendimentos do trabalho e sobre o consumo parece ser uma escolha que favorece grupos com poder junto do poder. E estes são quadros que manifestamente não garantem o desenvolvimento, para dizer o mínimo.

Dois últimos pontos:
« Baixas taxas de imposto não garantem iniciativas de investimento sustentáveis a longo prazo, como aprendemos dolorosamente com o caso da Irlanda;
« Entrar num processo concorrencial de atracção de investimento através de taxas de imposto é equivalente a processos de desvalorização cambial competitiva: todos ficam pior ou na mesma. Ou será que se pensa que os países com que queremos concorrer (Polónia e República Checa, referidos no documento da proposta) com a redução do IRC nada vão fazer?

A simplificação e a estabilidade do regime fiscal é mais urgente do que as medidas de redução da carga fiscal sobre as empresas, quando ainda nada se pode fazer pelos cidadãos em geral, dos mais desfavorecidos aos que pertencem a uma classe média em risco de empobrecimento.

Quando se está a reduzir tão significativamente os rendimentos presentes e futuros, em dinheiro e em espécie, dos cidadãos em geral, aumentar o rendimento de alguns exige uma justificação que demonstre, sem equívocos, os benefícios que daí se retiram para toda a sociedade. Ou seremos de novo uma "sociedade extractiva", aquela que faz "falhar as nações".  Já basta o que se tem visto (e compreendido como o mal menor) com as PPP rodoviárias, as rendas da energia, o BPN e os 'swap'.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A propósito do despacho de Gaspar que congela despesa

Confesso-me perplexa com as reacções ao despacho do ministro de Estado e das Finanças que impede, com excepção, novos compromissos de despesa pública até que sejam aprovados os novos limites orçamentais.

Vale a pena ler a este propósito Ricardo Arroja no Insurgente e Rui Albuquerque no Blasfémias.

O comunicado do reitor da Universidade de Lisboa é lamentável pelo que se exige de uma personalidade que pertence à elite portuguesa.

O Tribunal Constitucional - concorde-se ou discorde-se - determinou o pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e aos pensionistas. Estas verbas terão de chegar de algum lado ou de alguma forma.

Num quadro em que Portugal se encontra a fechar uma negociação sobre extensão das maturidades  do empréstimo do FEEF - a decorrer no Eurogrupo dia 12 de Abril em Dublin - e em que não está fechada a sétima avaliação, nada fazer de imediato significava um enorme risco.

Como povo somos livres de fazer as nossas escolhas. A escolha, neste momento, está a ser cooperar com os credores. Podemos fazer outra. Mas temos de ter consciência das consequências. Do que percebemos hoje da realidade europeia, a escolha da não cooperação com os credores significa custos muito mais elevados - em perda de rendimento, desemprego e direitos - do que aquela que estamos a seguir.

O Governo cometeu erros? Sem dúvida. Desvalorizou a dimensão da crise financeira do Estado e da Zona Euro, considerou que com uma aterragem brusca acompanha pela recuperação europeia se conseguia minimizar os custos do ajustamento e, com essas previsões validadas se não mesmo alimentadas pelo FMI e pela Comissão Europeia, foi arrogante com a oposição, nomeadamente com o PS.

Mas hoje estamos onde estamos. Se queremos ficar no euro o caminho é muito estreito e exige uma enorme cooperação.
 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Lideranças que incluem, lideranças que excluem

Ainda a propósito do que escrevi aqui (só para assinantes) sobre quadro de valores de algumas das nossas lideranças e de como são também responsáveis pelo que todos somos como sociedade vale a pena ler:

* Dani Rodrik  The battle is renewed: state capitalism, mercantilism, and liberalism

Daron Acemoglu e Jim Robinson - Is State Capitalism Winning? no qual sublinho o nono parágrafo: A real dicotomia é entre instituições económicas que incluem [as pessoas] e as que extraem [das pessoas]:
"(...)At a deeper level, the real dichotomy is not between state capitalism and unfettered markets; it is between extractive and inclusive economic institutions. Extractive institutions create a non-level playing field, rents, and narrowly concentrated benefits for those with political power and connections. Inclusive institutions create a level playing field and give incentives and opportunities to the great mass of people(...)"


* E ainda do Der Spiegel: Alemanha: No país das boas pessoas de onde retiro:
"(...) Em 2010, o psicanalista italiano Sergio Benvenuto evocou o caso da Itália em Carta Internacional. Silvio Berlusconi, diz ele, faz política para os clientes de “cafés-bares”, este “império do politicamente incorreto”, onde reina a vulgaridade e se critica os políticos, a não ser que sejam “apolíticos” como Silvio Berlusconi. Sergio Benvenuto explicou portanto o segredo por trás da longevidade deste último.Não é para os fiéis clientes de cafés-bares que se faz política na Alemanha. O coração do país bate nos supermercados biológicos, onde as mulheres e os homens lutam por um mundo melhor ao comprar produtos biológicos. (...)"

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O desemprego visto pelo emprego


O desemprego que veio para ficar, o meu editorial de hoje que aborda o problema do desemprego na óptica do que aconteceu ao emprego durante os últimos cinco anos e em linha com O desemprego inevitável que escrevi em Junho do ano passado. E ainda a conversa com Manuel Acácio no Fórum da TSF de hoje que teve como tema  "O desemprego e o estado do país".

Eis os factos que podem ser vistos nos gráficos em baixo, com restrições de leitura pro ter havido uma ruptura na série do inquérito ao emprego em 2011:
1. A destruição de emprego concentrou-se nas baixas qualificações (até nove anos de escolaridade)
2. Durante os últimos cinco anos houve criação de emprego para qualificações superiores aos nove anos de escolaridade.

As possíveis consequências num quadro em que nem as políticas do Governo nem as pessoas mudam:
1. A taxa de desemprego vai manter-se elevada;
2. O crescimento da economia será medíocre, condicionado pela falta de qualificação.

O que pode moderar essa tendência:
1. Emigração de não qualificados;
2. Imigração de qualificados;
3. Políticas que qualificação profissional dos activos e mudança de política educativa para as novas gerações.

Comentário às medidas numa óptica de probabilidade de ocorrência:
A emigração e a imigração dependem de decisões individuais, sendo mais provável a sua ocorrência.
As políticas públicas para aumentar a qualificação exigem cooperação entre o Governo, os sindicatos e os patrões como revela este estudo da OCDE da autoria de Glenda Quintini. Uma cooperação que em Portugal se tem revelado impossível. 

Conclusão:
O que antecipo não é, infelizmente, positivo. Esperam-nos tempos de elevado desemprego e crescimento medíocre. Ou de políticas de mais do mesmo, ou seja, o regresso da construção e obras públicas que nos atirarão a prazo para uma nova crise.

Aqui deixo dois gráficos que têm como fonte o INE mas que devem ser olhados apenas como tendências face à ruptura da série em 2011

Fonte: INE, vários inquéritos aos emprego; * ruptura de série em 2011

 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Um dia histórico para a Irlanda (e para Portugal?)

A Irlanda conseguiu converter uma dívida detida pelo seu banco central no montante de 25 mil milhões de euros com uma maturidade média de 8 anos e um custo anual de 3,1 mil milhões de euros em obrigações do Tesouro com uma maturidade média de 34 anos e um custo anual em juros de 2 mil milhões de euros. O acordo de reestruturação  foi hoje anunciado pelo primeiro-ministro irlandês depois de uma maratona na quarta-feira para obter o acordo com o BCE e que acabou com a liquidação do Anglo Irish Bank.

Os principais pontos do acordo, num resumo a partir de documentos oficiais elaborado originalmente pela Reuters.
Os efeitos orçamentais e na dívida assim como a explicação de todo o processo no Department of Finance

A Irlanda já teve a sua reestruturação em linha com os compromissos assumidos de tratamento igual quando se fez a última reestruturação para a Grécia.
Aguarda-se agora o dia histórico de Portugal.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Ainda a reforma do Estado

Vale a pena ler a intervenção do representante da Suécia do equivalente do nosso Conselho de Finanças Públicas para perceber que um dos nossos mais graves problemas está na confiança que temos nas instituições (vale a pena ver as páginas 34 e 35 das apresentações).
Aconteceu esta terça-feira na conferência promovida pelo Banco de Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian e Conselho de Finanças Públicas.

Por muita boa vontade que exista em mudar o Estado e o país, sem maior confiança nos políticos, nos governos, enfim, nas organizações do país, muito pouco se poderá fazer. (Lamento ser tão pessimista mas tudo isto vem apenas dar razão aos que pensam que a única acção com efeitos no curto prazo será a da restrição financeira, aquela que obrigou o Estado, mal ou bem, a olhar de frente para os seus problemas financeiros).
 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A reforma do Estado, por que pode falhar

A conferência que está hoje a decorrer na Gulbenkian sobre a reforma do Estado - organizada e promovida pelo Banco de Portugal, Conselho de Finanças Públicas e a própria Gulbenkian - deu esta manhã algumas importantes razões para nos preocuparmos com os elevados riscos de fracasso das mudanças na adminitração pública.

O trabalho que merece ser lido de Christopher Pollitt, "What do we know about públic management reform? Concepts, models and some approximate guidelines" identifica 7 orientações básicas para uma mudança bem sucedida da administração pública, orientações essas que são inspiradas nos erros frequentes, que estiveram na base das reformas mal sucedidas. Eis quais são rapidamente e ainda em inglês as 7 regras construídas por Pollitt que são necessárias (mas podem mesmo assim não ser suficientes) para uma reforma bem sucedida do Estado:


1)     First, reforms should be based on detailed diagnosis, not just broad impressions.

2)     Second, management reform is not just a technical adjustment but rather, almost always, also a bureaupolitical action, and it therefore requires a coalition of support. Ideally this support would usually include both senior politicians and at least some part of the civil service leadership.

3)     Third, reformers should assure themselves that the administration posesses the requisite set of skills to implement the new reform. Many types of reform require leadership skills.

4)     Fourth,it is important to try to give a reform the time it will need to come to fruition. This has several aspects. One is that a realistic timetable should be set out at the beginning – no promises of instant improvement.

5)     Fifth, maximize the use of both internal and external expertise and experience. The people who know most about your organization are usually in your organization.

6)     Sixth, try to assemble an accurate picture of the culture(s) of the organizations which are to undergo reform, and use this to stress points of compatibility with cultural norms, whilst also identifying likely points of cultural resistance.

7)     Seventh, be aware that reform can (however unintentionally) undermine existing strengths in the public service, and strive to minimize any such negative effects. For example, some kinds of reform can undermine trust between civil servants,or between civil servants and their political masters. If existing trust levels are good this would be a very high price to pay, since trust makes all sorts of actions easier (lower transaction costs).

Exercício que fica como sugestão: qual, ou quais dessas orientações estão a ser respeitadas em Portugal?

O Chipre (não) desvalorizado

A semana que passou, a penúltima de Janeiro, foi de festa em Portugal e contagiou o euro.
Mas eis que se esqueceram do Chipre e a semana começa com aquele que pode ser a nova vaga da crise no euro:

» Fitch  corta rating do Chipre

» Draghi e Schäuble em contronto no Ecofin por causa do Chipre, uma história contada pelo Der Spiegel

» Claro que os juros da dívida pública já se coemçam a ressentir.