Porque o tema não é simples e merece, na minha opinião, reflexão do ponto de vista jornalístico regresso a ele:
1. A existência do vídeo é um facto jornalístico - os jornalistas conseguiram obtê-lo, sabem que existe;
2. O conteúdo do vídeo não é - só por si - um facto jornalístico entendido como passível de ser divulgado em bruto - e parece-me que é aqui que discordo de Nuno Ramos de Almeida (se não é assim peço desde já as minhas desculpas); E porquê?
=»a) Charles Smith está ser questionado sobre dinheiro que desapareceu o que levanta desde logo a dúvida sobre a veracidade do que diz - e o jornalista tem de se preocupar com veracidade do que transmite como notícia;=» b) A credibilidade de uma fonte é validada pelo jornalista e não pelo curriculum da fonte - e aí discordo de Nuno Ramos de Almeida - o facto de ter conseguido a aprovação do Freeport pode torná-lo credível para conseguir a aprovação de projectos difíceis mas não credível como fonte de um jornalista;
=» c) A situação de fragilidade em que se encontrava a fonte Charles Smith - estava a ser questionado - fragiliza a sua credibilidade como fonte. Uma das regras que devemos seguir é avaliar o grau de liberdade da fonte em que baseamos a informação que transmitimos;
=» d) Qualquer pessoa pode gravar um dvd em que se acusa uma terceira pessoa não presente de ser corrupta tendo como objectivo colocar esse vídeo nos órgãos de comunicação social se a regra passar a ser a não validação da informação ali contida. É um argumento fraco - no sentido em que não podemos deixar de divulgar informação por causa do risco de manipulação que todos os dias enfrentamos mas deve também ser considerado;
3. O facto de todos os protagonistas e implicados no vídeo terem sido convidados a dar a sua opinião - tendo recusado - não me parece ser suficiente para a decisão de divulgar o conteúdo do dvd. A regra de ouvir as partes envolvidas numa notícia é necessária mas não suficiente para que um facto se transforme em facto jornalístico. Muitas vezes é preciso ir mais longe como complementar com outras fontes;
4. Ser jornalista não é ser polícia nem juiz exactamente porque a aproximação aos factos jornalísticos - ou verdade jornalística - é muito diferente da aproximação à verdade da investigação policial e do julgamento. Mas tal como a polícia e o juiz, também nós jornalistas temos regras. E uma delas é a validação da informação que transmitimos confrontando fontes independentes e informação adicional que nos dê garantias de que a informação que estamos a transmitir é o mais próxima possível da verdade jornalística - não policial nem jurídica.
Há nesta análise uma falha que detecto: Tendo condições para divulgar a existência do vídeo como justifico perante o público o facto de não divulgar o seu conteúdo? Não é fácil encontrar uma resposta. Mas teria de a encontrar - a informação não estava validada.
Em todo este caso é óbvio que o Primeiro-Ministro teve e tem tido uma atitude lamentável, como o demonstrou na entrevista que deu à RTP - quer no que disse como na relação injustificadamente agressiva e até imprópria com Judite de Sousa e José Alberto de Carvalho. Irracional ainda porque as perguntas feitas eram inevitáveis.
Como disseram José Eduardo Moniz e Vasco Pulido Valente, tem faltado a José Sócrates a atitude de Estado que se exige a quem é Primeiro-Ministro e que tiveram, por exemplo, Cavaco Silva e Mário Soares e de forma ainda mais violenta Ferro Rodrigues quando foram igualmente alvo de violentas criticas e ataques.
A qualidade combativa de José Sócrates confunde-se por vezes com agressividade gratuita. Nem se pode dizer que a sua forma de combater seja essa. Quando combate as criticas de Cavaco Silva ou Manuel Alegre é cauteloso. Quando é questionado pelos jornalistas permite-se a um desrespeito e a uma agressividade que justificam as dúvidas que hoje se levantam quanto ao respeito que tem pela liberdade de imprensa.
Dito isto, considero que vale sempre a pena pensarmos, nós jornalistas, se estamos a fazer a correcta aproximação à verdade.
5 comentários:
Cara Helena Garrido,
O seu raciocínio levado ao limite, faria que os jornalistas só conseguissem noticiar um facto de um caso, depois de ele transitar em julgado.
Existem vários factos que tornam relevantes o vídeo, do ponto de vista noticioso e fazem que a sua transcição seja notícia que toda a gente fez, depois da TVI o ter divulgado:
1. É uma conversa de vários protagonistas que participaram na legalização do Freeport (Charles Smith e João Cabral da Smith and Pedro e um administrador do Freeport).
2. Faz parte do processo da polícia britânica.
3. O conteúdo da conversa está de acordo com emails apreendidos na Smith and Pedro e do testemunho de algumas conversas escutadas na empresa por funcionários.
4.Existem mensagens dessa empresa dirigidas a Sócrates.
5.Há a conversa do tio de Sócrates com Charles Smith e a reunião de Sócrates com os promotores do empreendimento.
6. Existe a carta rogatória da polícia britânica em que se define o actual primeiro-ministro como "suspeito".
Tudo isso são factos que têm relevância jornalística, mesmo que no futuro a investigação os possa considerar pouco significativos e Sócrates completamente absolvido.
Não cabe aos jornalistas julgar, mas devem dar estas notícias.
Sobre a necessidade de ouvir todos os protagonistas, completamente de acordo. E isso foi sempre feito. Infelizmente, não se pode obrigar essas pessoas a falar. E mesmo sem as suas declarações, todos esses factos são notícias.
O estilo das notícias é uma coisa muito subjectiva. O Expresso desta semana fazia primeira página com uma coisa que a TVI deu há um mês, que Charles Smith desmentiu aos britânicos o que disse no DVD. O Expresso titulava: "Charles Smith Mentiu", sem nenhuma dúvida no título. No entanto, no final da sua própria notícia, o jornalista escrevia que o relatório dos advogados que interrogaram Smith, considerava que as razões pq Smith afirmava ter mentido não eram consistentes e , por esta razão, tinha enviado a informação para a polícia para futuras investigações. Como se vê, apesar das questões de estilo, esta questão merece ser noticiada.
Se a justiça funciona assim para o nosso 1º, imaginem para o resto do maralhal.
Que altere o estado da justiça.
Isto fede...
A malta anda toda deprimida e incapaz de agir.
Esta treta do Freeport já mete nojo aos cães.
O povo está bovinamente calmo...
Isto não é normal, nem saudável.
Não entendo esta gente e este país.
Ninguém se sente??
Ninguém reage???
Estamos todos mental, cultural, e espiritualmente mortos???
Acordem morcões !!!!!!
Há algum tempo, escrevi aqui a minha opinião sobre a Manuela Moura Guedes. De facto, algo de grave se passa:
"É fundamental que esta senhora (tenho muito dificuldade em utilizar o termo "jornalista" neste contexto) entenda que o seu papel não é o de comentador politico (será que anda atrás do lugar do Vasquinho?) mas antes de ponte isenta entre a informação e o telespectador.
Há quem diga que esta atitude por parte da ERC tem o seu toque de censura e que foi encomendada pelos nossos governantes. Eu cá acho que esta atitude mostra que, pelo menos neste caso, os responsáveis da ERC estão simplesmente a fazer o seu trabalho."
Peço desculpa.
1 - Se eu fosse o primeiro ministro
2 - Se eu estivesse inocente
...já tinha partido a cara a meia-dúzia de jornalistas.
Notas:
a- Sou geralmente uma pessoa calmíssima
b - Não sou do Partido do Engenheiro
Enviar um comentário