terça-feira, 1 de setembro de 2020

Novo Banco/Auditoria: Coincidências entre 4.042 ou 3.890 ou 4.000

Resultados da auditoria da Deloitte ao NB



Não conhecemos a auditoria da Deloitte à actividade do BES/Novo Banco de 2000 a 2018, apenas sabemos o que foi comunicado pelo Ministério das Finanças (ver o comunicado na íntegra, no final).

Analisadas 283 decisões que redundaram em perdas de 4.042 milhões de euros (ver quadro) que por coincidência se aproximam dos valores do capital contingente – 3.890 milhões de euros – e que anda â volta do que o primeiro-ministro nos disse em 2017 que seria necessário injectar no banco caso fosse nacionalizado - 4.000 a 4.700 milhões de euros, recordando que a Lone Star injectou mil milhões.

O que nos leva a admitir que todas estas perdas são há muito conhecidas.

Mas vamos por partes.

O que nos dizem as Finanças:

- As perdas que o NB registou remontam a decisões tomadas durante a liderança de Ricardo Salgado (ponto 6);

- Existiam “insuficiências e deficiências graves de controlo interno” na concessão e acompanhamento de crédito e em investimentos financeiros e imobiliários até 2014, ou seja, e mais uma vez, durante a liderança de Ricardo Salgado.

Porque é que nada disto é novo? Ou o que já sabíamos embora dito de outra forma?

Sobre os valores, é interessante verificar como andamos sempre a falar em valores em torno dos 4 mil milhões de euros:

- Quando o banco foi vendido à Lone Star, 7.900 mil milhões de activos do NB ficaram fora do perímetro da aquisição: as perdas que registassem seriam suportadas pelos 3.890 milhões de euros de capital contingente. Este último é o tal montante que tem vindo a ser transferido anualmente pelo Fundo de Resolução para o Novo Banco com empréstimos do Estado e do qual sobram 912,3 milhões de euros. Podemos assumir que, da avaliação ao NB para a sua venda resultou que se esperava perder cerca de 50% do valor desses activos (49,2%). Já se sabia, então, que estavam sobrevalorizados.

- Quando o primeiro-ministro anunciou a venda do Novo Banco a 31 de Março de 2017 revelou implicitamente que tinha noção das perdas que ainda estavam para chegar. Como se pode ouvir na RTP (ao minuto 28), quando questionado sobre as razões da não nacionalização do banco, António Costa disse que o Estado teria de injectar de imediato 4 a 4,7 mil milhões de euros, correspondentes às necessidade imediatas de capital e a todas as eventuais necessidades futuras. No cenário de venda, o Lone Star injectou mil milhões e as necessidades futuras a suportar pelo Estado ficaram limitadas a 3,89 mil milhões.

Quanto às insuficiências de controlo interno:

- Sem querer cometer o erro de acertar nos resultados depois dos jogos, depois do que vimos ter sido a prática passada de concessão de crédito na CGD, por via da auditoria da E&Y, dificilmente poderíamos esperar que um banco com as características de gestão do BES, centralizado na pessoa de Ricardo Salgado, cumprisse regras de controlo interno.

- A acusação do Ministério Público divulgada a 14 de Julho, em que Ricardo Salgado surge como liderando uma associação criminosa, dificilmente poderíamos esperar outra conclusão de uma auditoria.

As conclusões relativas ao tempo da gestão do BES por Ricardo salgado assim como as necessidades de capital que o Novo Banco ia ter trazem, por isso, poucas surpresas.

Foi a resolução mal feita?

Essa é a acusação que está a ser feita, nomeadamente pelo deputado do PS João Paulo Correia. Fica implícito que alguns desses activos deveriam ter ficado no “BES mau”. É difícil dizer quem tem razão, mas ficam aqui alguns argumentos a favor das decisões que foram tomadas:

- No BES mau ficaram activos que tinham relação com os accionistas.

- A transferência para o “BES mau” de alguns dos activos que se têm transformado em perdas para o NB significaria dar mais recursos, poucos que fossem, aos credores e accionistas do NB, que correspondem basicamente à família Espírito Santo.

- Parte das imparidades que têm vindo a ser registadas têm sido determinadas por alterações na política de registo de perdas (regras de transição da IFRS9); por características dos créditos – alguns dos financiamentos concedidos pelo BES de Ricardo Salgado só exigiam pagamentos de juro e amortização no fim do prazo contratado adiando assim o registo de perdas; e finalmente pelas vendas aceleradas que a gestão do NB tem feito – depressa e a bom dinheiro não há quem.

E esta última questão remete-nos para a pergunta: Está o NB a vender depressa demais os activos problemáticos e protegidos pelo dinheiro do Fundo de Resolução?

Não é uma resposta fácil. No caso dos créditos poderia conseguir mais dinheiro se negociasse directamente com o credor. No caso dos imóveis já é mais difícil de perceber, embora se possa admitir que vendas mais lentas pudessem garantir mais dinheiro. Já falei sobre este tema no artigo noObservador e espero voltar a ele. Até porque há aspectos no comunicado do Ministério das Finanças que não se percebem ainda bem (ver ponto 10).

 

Ministério das Finanças: Comunicado relativo à conclusão da auditoria especial ao Novo Banco

1.   O Governo recebeu o relatório da auditoria especial ao Novo Banco, elaborado pela Deloitte, determinada pelo Governo em cumprimento da Lei n.º 15/2019, de 12 de fevereiro.

2.   Trata-se da primeira ocasião de aplicação da referida Lei, que exige a realização de uma auditoria, por entidade independente, sempre que são disponibilizados direta ou indiretamente fundos públicos a uma instituição de crédito.

3.   Conforme estava previamente definido, o relatório será igualmente disponibilizado e remetido pelo auditor ao Banco Central Europeu, ao Banco de Portugal, ao Fundo de Resolução, à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. O Governo acabou de remeter o relatório à Assembleia da República, conforme se tinha comprometido.

4.   A auditoria especial tem por objeto um conjunto alargado de operações que originaram perdas para o Novo Banco, entre 04.08.2014 e 31.12.2018:

5.   Os trabalhos de auditoria analisaram atos de gestão praticados entre 01.01.2000 (data de corte estabelecida para efeitos de análise retrospetiva dos atos de gestão) e 31.12.2018, relativamente às 283 operações que integram o objeto da auditoria, abrangendo, portanto, quer o período de atividade do Banco Espírito Santo, quer o período de atividade do Novo Banco.

6.   O relatório da auditoria especial evidencia que as perdas incorridas pelo Novo Banco decorreram fundamentalmente de exposições a ativos que tiveram origem no período de atividade do Banco Espírito Santo e que foram transferidos para o Novo Banco no âmbito da resolução.

7.   O relatório da auditoria especial é extenso e exigirá uma análise técnica cuidada, objetiva e responsável por parte de todos aqueles a quem foi enviado.

8.   O relatório descreve um conjunto de insuficiências e deficiências graves de controlo interno no período de atividade até 2014 do Banco Espírito Santo no processo de concessão e acompanhamento do crédito, bem como relativamente ao investimento noutros ativos financeiros e imobiliários.

9.   O relatório descreve também os progressos realizados nestas matérias no período de atividade do Novo Banco.

10.            Não obstante a evolução verificada no período de atividade do Novo Banco, o Governo considera imprescindível que sejam desenvolvidas, por todos os intervenientes, todas as ações necessárias para assegurar a rápida e integral correção das questões identificadas no relatório da auditoria especial. Reitera-se a importância do integral cumprimento dos compromissos contratualmente assumidos, designadamente perante o Fundo de Resolução, o qual deverá avaliar quaisquer situações identificadas à luz das respetivas prerrogativas.

11.            O relatório da auditoria especial vai ao encontro da posição sempre sustentada pelo Governo sobre a solidez do sistema bancário e a prevenção de crises:

a)  A importância de as instituições de crédito disporem de adequados mecanismos de governo e de controlo interno;

b)  A necessidade de uma supervisão eficaz e coordenada das instituições de crédito, que assegure a prevenção e mitigação dos riscos financeiros.

12.            Destaque-se a importância do objetivo da preservação da estabilidade financeira, a qual tem contribuído, entre outros, para a melhoria das condições de financiamento da economia portuguesa desde 2016 até ao presente.

13.            Atendendo às matérias analisadas, à abrangência temporal da análise da auditoria especial, que incide sobre um período muito alargado da atividade do Banco Espírito Santo até 2014 relativamente ao qual estão em curso processos criminais, e à necessidade de salvaguarda dos interesses financeiros do Estado, o relatório será remetido pelo Governo à Procuradoria-Geral da República considerando as competências constitucionais e legais do Ministério Público.

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